Proponho que nos detenhamos frente à Virgem da Expectação atribuída a Mestre Pero e tentemos o exercício a que, na nossa tradição, se chamou filosófico. Proponho que nos coloquemos diante desta obra com um olhar tão virgem quanto a Virgem: como se fosse a primeira vez, e nada soubéssemos ainda a seu respeito, e o sentido que habitualmente lhe atribuímos não escondesse o problema que ela nos dá a pensar. Acontece que, nesta obra, nada parece problemático. Tudo nela é suave, as linhas deslizam sem atrito, desde o cair dos cabelos às pregas do vestido, à mão que repousa docemente sobre o ventre ou à ligeira inclinação da cabeça. Exceptuando a mão direita amputada, tudo aparece sem ângulos, toda ela é redonda, a começar, evidentemente, pela maravilhosa proeminência do ventre da Senhora […]. É uma imagem da suavitas, e até o peso da gravidez nos aparece de tal modo que nele vemos o seu contrário — vemos, ou podemos ver, a graça, quer dizer, a chegada do alívio que vem tornar o mundo mais leve, libertá-lo das suas penas, justificar as nossas dores, dar, por fim, um sentido ao que nos faz questionar, sofrer, duvidar. |